Monday, May 05, 2008

Os portugueses e a política

Os portugueses e a política

André Freire - 20080505, Público

Os muito jovens são pouco informados, interessados e participativos por causa da sua posição no ciclo de vidaCom base numa sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião Portuguesa, o Presidente (PR) expressou, no discurso do 25 de Abril, preocupações sobre o (fraco) "empenhamento cívico dos cidadãos", designadamente dos jovens, e sobre o "facto de não ter havido [por parte dos agentes políticos] o necessário esforço para a credibilização da política" e para uma "política de proximidade". As preocupações basearam-se nalguns dos resultados do estudo, nomeadamente: em termos comparativos, os portugueses apresentam uma muito elevada insatisfação com o funcionamento da democracia; os jovens são os menos expostos à informação política e os que revelam mais baixos níveis de conhecimentos políticos; exceptuando o voto, os portugueses são cépticos quanto à participação política tradicional, designadamente através dos partidos; os jovens, sobretudo os dos 15-17 anos, revelam um "baixíssimo interesse" pela política; a população portuguesa em geral, mas sobretudo os mais jovens (15-17 anos) e os mais velhos (mais de 65 anos), evidencia um muito baixo envolvimento político e baixos níveis de participação social e política; etc.
Sobre estes resultados, refira-se o seguinte. Primeiro, quer o elevado grau de insatisfação perante o funcionamento da democracia, quer o baixo envolvimento e participação sociopolítica são um problema geral dos portugueses, não apenas dos jovens. Segundo, quanto ao baixo envolvimento sociopolítico é preciso, apesar de tudo e ainda que se levantem dúvidas quanto à extensão do que vou referir, matizar o pessimismo: lembremos a explosão da participação através de blogues; as gigantescas manifestações a que assistimos recentemente; o crescimento do número de petições apresentadas ao Parlamento; a grande adesão a acções de voluntariado como o "banco alimentar"; a forte mobilização cívica no último referendo; etc. Terceiro, apenas em alguns itens (conhecimentos políticos, interesse e participação) os muito jovens (15-17) se revelam especialmente pouco informados, interessados e participativos. Mas, neste caso, é talvez ainda mais necessário relativizar os dados.
As diferenças entre jovens e não jovens, em matéria de atitudes e comportamentos políticos, podem resultar de dois tipos diferentes de factores. Os "efeitos de ciclo de vida" reportam-se àquelas atitudes e comportamentos que estão ligados a determinadas fases da vida dos indivíduos e que, uma vez ultrapassadas tais etapas, desaparecem. Por exemplo, fala-se geralmente de diferenças de ciclo de vida na participação eleitoral: devido a uma menor integração na vida familiar, profissional, etc., os jovens votam geralmente menos do que os mais velhos. Porém, com o avanço da idade e o aumento da integração sociopolítica, aqueles jovens tenderão a exibir níveis de participação idênticos aos dos adultos. Mais: por via da assunção de responsabilidades, os indivíduos vão ficando mais directamente expostos à acção política (impostos, políticas de emprego, de família, de habitação, etc.), logo dão-lhe mais relevo. Portanto, se seguíssemos as diferentes coortes etárias (isto é, os segmentos da população divididos por datas de nascimento) ao longo do tempo, com o avanço deste, as diferenças entre os mais jovens e os adultos deveriam desaparecer. Pelo contrário, caso estivéssemos perante "efeitos geracionais" na participação, isto é, que caracterizam segmentos de indivíduos nascidos num mesmo período temporal e que lhes permanecem associados em todas as fases da vida, as diferenças entre coortes com o passar do tempo deveriam manter-se idênticas. Muito provavelmente, os muito jovens são especialmente pouco informados, interessados e participativos por causa da sua posição no ciclo de vida. Por isso se assemelham aos de 65 e mais anos, os quais iniciam uma fase semelhante do ciclo de vida: fim da "vida activa" e declínio progressivo das capacidades. Todavia, só estudos longitudinais, isto é, seguindo as diferentes coortes ao longo do tempo, poderão esclarecer isto com precisão.

Porque as questões levantadas pelo PR são muito importantes, nomeadamente em termos de qualidade da democracia, e a classe política (PR incluído) não lhes terá dado ainda o devido relevo, termino reflectindo sobre o que fazer (para mudar a situação)? Primeiro, é preciso credibilizar a política. Aqui poderíamos realçar a) a necessidade imperiosa de cumprir os compromissos eleitorais e b) a de reduzir a promiscuidade entre negócios privados e acção política. A realidade está bastante aquém do desejável, apesar dos repetidos alertas... Segundo, é preciso incentivar e levar a sério a participação dos cidadãos na tomada de decisões políticas, ou seja, é necessário valorizar a participação e procurar incorporar, efectivamente, as demandas no processo decisório: só assim as pessoas verão que vale a pena participar. (o estudo evidencia, aliás, um forte apoio a mecanismos de democracia directa). Não é a isso que temos assistido, quando, após a eleição directa de um líder partidário ou do bastonário de uma ordem profissional, alguns dos seus ilustres correligionários se apressam a deslegitimar os novos eleitos e, assim, a sugerir que deveriam ser eles e não "o povo" a escolhê-los. Também não é propriamente a isso que temos assistido quando se desvalorizam enormes manifestações populares ou se demoniza a acção sindical. Ou ainda quando se comprime severamente a democracia nas universidades. Pena é que não se tenha ouvido a voz do PR nestes casos... Terceiro, o cidadão constrói-se. Por isso, é necessário apostar mais na educação política dos jovens, nomeadamente insistindo mais no ensino da História e da Ciência Política, bem como na educação cívica. Finalmente, para mobilizar os cidadãos são precisas alternativas: não é a isso que se assiste quando a política (do "centrão") é reduzida à mera gestão da coisa pública. Professor de Ciência Política (ISCTE)

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