Sunday, February 13, 2005

Em Defesa da Ciência e da Tecnologia Por JOSÉ MARIANO GAGO

Público
Domingo, 13 de Fevereiro de 2005

Ao ministro da Presidência coube vir a terreiro contra o plano de desenvolvimento científico, tecnológico e educativo que o PS se propõe executar. Segundo ele, o plano tecnológico do PS não serve. Ou porque já está a ser aplicado ou porque pressupõe acção e mais investimento do Estado a favor da ciência e da tecnologia, o que estaria mal: isso caberia ao mercado. Pelo meio, enalteceu a obra própria e denegriu a dos outros: antes de nós o deserto, depois de nós o dilúvio.

Portugal estava (em 1999) entre os primeiros países europeus a ligar todas as escolas à internet. O governo do PS não apenas lançou a política para a sociedade da informação em Portugal, a internet nas escolas, as cidadas e regiões digitais, os espaços internet, a iniciativa para os cidadãos com necessidades especiais, o programa operacional para o sociedade de informação, a iniciativa internet, como lançou a própria iniciativa europeia nesta matéria. O programa eEurope foi desenhado em Lisboa, negociado na Europa pelo governo do PS e aprovado durante a presidência portuguesa. Agora, estamos na cauda dos actuais indicadores de progresso e a Europa olha-nos com complacência: será o mesmo país?

Este governo juntou a ciência e a tecnologia ao ensino superior, e separou as tecnologias de informação a que inicialmente juntou a inovação. Isolada junto da presidência do Conselho de Ministros, essa componente crítica da política tecnológica, a das tecnologias de informação e comunicação e da sociedade da informação, perdeu rumo e capacidade. Durante quase dois anos parou programas e projectos e deixou de cumprir o contratado, designadamente com os melhores laboratórios de investigação e empresas desta área. Mas desdobrou-se em anúncios, planos de acção, palavras de ordem. O programa do PS propõe-se reforçar o que está bem, corrigir o negativo, generalizar o uso da internet na educação, abrir actividades novas, acelerar a desburocratização da administração e o acesso online aos serviços. Lança, por exemplo, o balcão único nas relações do Estado com os cidadãos e as empresas: competirá ao serviço público apropriado (e não ao utilizador) obter de outros serviços públicos os documentos e informações eventualmente necessários.

A política educativa esteve contra a ciência e a tecnologia. A reforma do ensino secundário extingiu laboratórios e actividade experimental. Tentou matar o Ciência Viva. O programa do PS, pelo contrário, torna obrigatório o ensino experimental, combate o insucesso escolar, duplica os inscritos em cursos profissionais e tecnológicos, reforça e desgovernamentaliza as instituições científicas e a sua avaliação. A política da ciência, fechada no ensino superior, tornou-se corporativa e isolou-se das outras políticas públicas. A política para o ensino superior, separada dos restantes sectores da educação e da formação, tornou-se alheia aos desafios da qualificação e da formação de activos. Retirou-se autonomia e parou-se a renovação dos laboratórios do Estado.

O programa do PS trata do apoio à ciência e do estímulo à inovação, especialmente a baseada em desenvolvimento tecnológico. Não opõe, antes alia a investigação nas universidades e laboratórios públicos e a que se desenvolve nas empresas. Defende todas as ciências, das engenharias às ciências humanas, avaliadas de forma internacional, independente e pública e promove a cultura científica. Anuncia medidas regulamentares que podem abrir mercados para novos produtos. Apoia a criação de novas empresas baseadas em resultados de investigação. Propõe incentivos internacionalmente competitivos à investigação e desenvolvimento (I&D) empresarial.

Reconhece agora o governo que fez mal em acabar com o regime de incentivos fiscais à investigação empresarial mas estar pronto a rever a situação que diz motivada pelo deficit das contas públicas. A desculpa não é verdadeira. Com mais despesa, deu às empresas não inovadoras o que deveria ter reservado às mais inovadoras. Vangloria-se que Portugal melhorou na Europa da inovação. Infelizmente isso respeita a indicadores de crescimento até 2002, ou seja, ao governo do PS.

O PSD apresentou ao eleitorado dois programas diferentes com poucos dias de intervalo. No primeiro, o esforço público em I&D deveria atingir 1% do PIB em 2010. Fazia sentido: é a meta europeia que o PS se propõe atingir no final da legislatura. Mas poucos dias depois, o PSD substituia o seu programa. Propõe-se agora "atingir 1/3 de 2% do PIB em 2010", quase o valor actual.A garantia do PSD é a estagnação do esforço público na ciência. A proposta do PS é duplicar esse esforço. A diferença não podia ser mais clara.

O PSD entende que o Estado não deve criar emprego científico: desculpa-se com as empresas. Mas é preciso qualificar laboratórios e universidades, hospitais, orgãos reguladores, bibliotecas e arquivos, e a administração. O PS anuncia a criação de mais 1000 lugares de investigadores, por contrapartida da extinção de lugares noutros sectores. Também se compromete a estimular a absorção de investigadores pelas empresas, reduzida pelo governo. O esforço público em I&D, pelas ideias que gera, pelos recursos que forma, é um poderoso estímulo à inovação empresarial e ao desenvolvimento social. Como em todo o mundo, foi assim em Portugal entre 1985 e 1993 e ainda mais entre 1995 e 2001.

Em matéria de gestão de riscos públicos e de segurança, o governo actual não parece entender o que fazer. O conhecimento científico e a capacidade técnica devem também proteger as pessoas, antecipar riscos e catástrofes, salvar vidas, ajudar a tomar decisões certas. Esse é um dos objectivos inscritos no plano de desenvolvimento tecnológico apresentado pelo PS. A diferença é clara.

O plano de desenvolvimento que o PS propõe é uma aposta de enorme exigência e responsabilidade, um verdadeiro contrato de modernização. Afirma um compromisso político de tal importância e gravidade que se espera das oposições tão só o anúncio sereno da vigilância no seu cumprimento.

Não foi isso que lemos até agora, ao menos do PSD. Mas nunca é tarde.

Membro do Conselho Coordenador do Fórum Novas Fronteiras que colaborou na preparação do Programa do PS. Antigo ministro da Ciência e da Tecnologia.

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