Monday, February 28, 2005

A crise da escola do Estado

A crise da escola do Estado

Público, 28 de Fevereiro de 2005

Numa escola secundária da Grande Lisboa, um professor interroga um aluno. "Não estou interessado em responder", retorque o interrogado. Os pais são postos perante a situação e dizem: "Se ele não quer responder, é com ele". É um padrão recorrente.
Um número crescente de alunos desinteressa-se da escola ou abandona-a porque não acredita que ela melhore a sua vida. A escola é a organização que nos fornece os valores simbólicos sociais. Esta função era antes assumida pela Igreja mas hoje só é assim em resíduo. O Estado não pretende receber o apoio simbólico da Igreja.
As Forças Armadas exerciam também uma função simbólica, embora apenas auxiliar. A generalização da escolaridade obrigatória, nos anos 1950, menorizou o seu empenhamento na educação dos jovens, com a anulação das escolas regimentais. O fim do Serviço Militar Obrigatório significa que o Estado afastou as Forças Armadas do ensino, que aliás não abrangia o sexo feminino. De menor passou a pouco mais do que zero.
Noutro plano, a família poderia fazer concorrência ao Estado educador pois educar é uma responsabilidade primeira da família. Mas tem que enjeitar essa responsabilidade devido ao trabalho dos dois cônjuges fora do lar, ao divórcio, à baixa da taxa de natalidade e à democratização acelerada do ensino - que transforma os pais, menos escolarizados, em inferiores dos filhos. O Estado desajuda-a.
O Estado pretende o monopólio da administração dos conteúdos simbólicos que pautarão as condutas sociais. Este ensino do Estado é agora recusado por um número crescente de adolescentes. Têm sido notados os inconvenientes económicos da recusa: ficamos com mão-de-obra mal preparada. Mas os custos políticos são mais graves: o Estado deixará de conseguir transmitir valores. Porque a escola pressupõe a liberdade de aprender.
O problema não é só nosso. Na semana passada, o Governo francês teve que retirar a reforma Fillon devido à pressão dos estudantes liceais: consideravam que ela rebaixava o nível do "baccalauréat", a prova de acesso à universidade. Os estudantes manifestaram-se nas ruas de toda a França.
É um acontecimento histórico. Pela primeira vez os estudantes censuram o Estado educador por ser facilitador. O Estado saberá incorporar esta reivindicação de qualidade? Só se mudar muito. Com efeito o Estado já fixou metas quantificadas para o número de licenciados das universidades. Ora estas metas são incompatíveis com a qualidade: prometer, por exemplo, que 90 por cento de uma dada faixa etária terá formação universitária, é confessar o sacrifício da qualidade, necessário para atingir a dita meta.
Se o Estado não souber elevar a qualidade do ensino, desacredita ainda mais a sua escola. O que trará uma crise de legitimidade política, pois a escola é o seu único vector de integração simbólica. O que exigirá mais violência para evitar a desintegração social.


 

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